“Precisamos valorizar o cientista”, diz Adilson de Oliveira, ganhador do Prêmio Ernesto Hamburger

Criado ano passado pela Sociedade Brasileira de Física (SBF), o prêmio é uma homenagem ao físico e divulgador de ciências brasileiro Ernesto Wolfgang Hamburger (1933-2018).

Adilson de Oliveira, 52 anos, é físico especialista em magnetismo e materiais magnéticos do Departamento de Física da UFSCar e do Centro de Desenvolvimento de Materiais Multifuncionais (CMDF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs), e do Center for Innovation on New Energies (CINE-Shell) apoiados pela FAPESP, nos quais é coordenador de difusão. Desde 2006, coordena em parceria com a jornalista Mariana Pezzo a equipe do Laboratório Aberto de Interatividade (LAbI) da UFSCar, responsável pela produção de instalações interativas, concertos, radionovelas e outros conteúdos de difusão científica em diversas plataformas audiovisuais. Seus projetos de divulgação já captaram mais de R$ 3 milhões em recursos.

Começando a realizar palestras para o público geral e a escrever textos de divulgação científica ainda na adolescência, Oliveira se tornou colunista da revista Ciência Hoje em 2006, tendo assinado mais de 200 ensaios de difusão. A comissão do Prêmio Ernesto Hamburger levou em consideração a qualidade, a relevância e a abrangência de sua obra.

Na entrevista a seguir, Adilson de Oliveira relembra sua trajetória na divulgação científica e fala de sua importância em especial no momento atual de crise no país.

Como se sente sendo o primeiro ganhador do Prêmio Ernesto Hamburger?
Fico muito honrado. Com tantos físicos bons fazendo divulgação no país, considero importante o reconhecimento de meu trabalho pela minha comunidade. Quando recebi o email avisando do prêmio, lembrei imediatamente do livro clássico do Prof. Hamburger, O Que É Física, da Coleção Primeiros Passos, da Editora Brasiliense, que li quando adolescente. Essa e outras experiências, como assistir a série Cosmos, do astrônomo Carl Sagan, me estimularam a ser físico e a divulgar a física.

Como foram suas experiências de divulgação científica na adolescência e na graduação?
Ainda na adolescência, na cidade de São Roque, SP, escrevi meu primeiro artigo de divulgação científica, sobre as leis de Kepler, para o boletim do clube de astronomia que fundei com quatro amigos. Depois, em 1987, quando fui fazer a graduação em física na UFSCar, comecei a trabalhar como monitor no Centro de Divulgação de Astronomia (CDA, hoje Observatório Astronômico Dietrich Schiel) que a USP de São Carlos havia acabado de inaugurar. Fazíamos palestras para o público que vinha observar o céu nos fins de semana. Essa experiência foi me dando um traquejo para a divulgação científica. Anos depois, como professor da UFSCar, desenvolvi uma série de palestras chamada Física Para Poetas, em que faço conexões da física com arte e cultura. Apresentei em vários eventos da SBF e da SBPC. Tenho feito essas palestras atualmente na Casa do Saber, na cidade de São Paulo.

Como se tornou colunista da revista Ciência Hoje?
Nos anos 2000, um primo meu jornalista estava montando um site de notícias para São Roque e me convidou para escrever artigos de divulgação para a internet. Depois disso, escrevi para os portais Terra e AOL. Em 2006, conheci o Alberto Guimarães, professor de física pesquisador emérito do CBPF, um dos fundadores e atual diretor do Instituto Ciência Hoje, que me convidou para escrever para o site da revista. Uma coletânea de meus artigos, o livro A Busca Pela Compreensão Cósmica, foi finalista do Prêmio Jabuti 2011 na categoria Ciências Naturais. Tive também a experiência de ser colunista por um ano e meio na revista Galileu. Foi um desafio interessante de escrever em pouco espaço.

Que assuntos aborda em suas colunas e palestras?
Uma característica minha é que escrevo e falo sobre coisas fora da minha área de pesquisa, o magnetismo experimental. Sou meio cara de pau, acho. Fico à vontade para falar sobre outras áreas da física pela minha experiência de 27 anos de professor na UFSCar, onde já dei praticamente todos os cursos de graduação. Minha estante também é cheia de livros de divulgação científica. Aprendo muito do que falo lendo outros divulgadores. Por exemplo, uma das palestras do Física para Poetas se chama O Enigma do Movimento, sobre a teoria da relatividade. Em outra palestra, Memórias de um Carbono, conto a história de um átomo de carbono nascendo em uma estrela e chegando aqui na Terra.

Como o Laboratório Aberto de Interatividade (LAbI) da UFSCar tem conseguido produzir tanto conteúdo de qualidade?
O LAbI surgiu quando conheci a jornalista Marina Pezzo, em 2005, quando ela era assessora de comunicação da reitoria da UFSCar. Tivemos muita sorte na busca por financiamento, com projetos apoiados pela FAPESP, o CNPq e o MEC, somando ao longo dos anos mais de R$ 3 milhões em recursos. A FAPESP exige muito dos CEPIDs a difusão de sua produção científica. Em 2010, me convidaram para coordenar a difusão do CEPID-CMDF, um dos maiores da FAPESP, com cerca de 50 pesquisadores em todo estado. Assim o LAbI ganhou o status de laboratório dentro de um CEPID e consegui uma verba para contratar profissionais de audiovisual. Depois, em 2017, fui convidado também para coordenar as atividades de difusão do CINE-Shell. Consigo trazer para trabalhar no LAbI muitos alunos do curso de graduação em imagem e som da UFSCar. Crescemos e fizemos a opção de trabalhar muito com redes sociais. Hoje temos um canal no Youtube com mais de 2 milhões de visualizações. Mas começamos produzindo exposições interativas. Na primeira delas, a instalação Escalas, fizemos em uma praça em São Carlos, projetando vídeos na parede de um escola, um prédio histórico feito por Euclides da Cunha. Os vídeos faziam uma viagem pelo universo, na sua grande escala até o universo nanométrico, com a interatividade feita por uma lanterna. A última exposição importante que fizemos foi a Memórias do Carbono, baseada em um texto que escrevi para a Ciência Hoje, com uma instalação bem mais sofisticada em que as pessoas interagiam pelo sensor de movimentos da Microsoft, o Kinect. Desenvolvemos também dois programas de radiodramaturgia premiados, Um Universo Entre Nós e Verdades Inventadas. Os programas tiveram bastante repercussão porque resgatamos a tradição brasileira das radionovelas com efeitos sonoros especiais modernos bem bacanas. Foi uma experiência de divulgação científica muito interessante. Quando escutamos uma história criamos, uma imagem mental diferente da experiência visual, assim como em ciência trabalhamos muitas vezes sem ver o nosso objeto de estudo e precisamos criar uma imagem mental dele. Mais recentemente, produzimos com a Orquestra Experimental da UFSCar o concerto Infinito em todas as direções, inspirado nas origens da matéria, do Universo e da vida na Terra. O concerto apresenta composições inéditas inspiradas nos cinco elementos da antiguidade, terra, água, fogo, ar e o éter. Escrevi textos para cada elemento, fazendo uma conexão com a ciência moderna, que é lido durante o concerto. Me envolver com esse projeto foi uma das melhores coisas que já fiz.

Como você vê a importância da divulgação científica no momento que vivemos de cortes de investimento na ciência e na educação?
A divulgação científica se torna cada vez mais importante, por dois aspectos. O primeiro é que vivemos um momento com muitas fake news em ciência. Crenças na terra plana e anti-vacinas são um fenômeno mundial. O segundo é o ataque à ciência e as universidades públicas brasileiras. Temos que mostrar que são essas instituições as responsáveis pelo avanço do conhecimento científico. Quando a gente traz a ciência para perto das pessoas, elas começam a ver como é importante. Temos uma responsabilidade para com a população, pois a pesquisa científica só existe com dinheiro público em qualquer lugar do mundo. E por isso a sociedade também tem que se apropriar desse conhecimento. Daí a divulgação científica recriar o conhecimento para que ele chegue nas pessoas. Não é só uma questão de fazer uma tradução. Precisamos trabalhar ligações com metáforas, com a arte, para que as pessoas entendam esse conhecimento e o valorizem. Senão, quando vem alguém falar que tem de cortar dinheiro da ciência porque esses pesquisadores não trabalham, só se divertem com as bolsas de estudo, as pessoas vão concordar. Porque não valorizam o trabalho científico. Precisamos usar mais a palavra “cientista”. Criar uma cultura de valorizar as pessoas que fazem ciência como verdadeiros cientistas, não apenas como pesquisadores. A maioria dos brasileiros acha que só existe cientista fora do Brasil.